A madeira é um dos mais importantes e versáteis materiais de construção. Com ela se fazem estruturas, vedações, telhados, esquadrias, móveis etc. É o único material que participa de todas os sistemas e etapas da construção de edifícios, desde um simples andaime ou uma forma descartável até um nobre revestimento de parede. É o único material natural renovável. Era, antes da Revolução Industrial, o único material que poderia arcar com os serviços estruturais de flexão. Os outros materiais naturais, a pedra e a argila, somente podiam trabalhar à compressão.

Centro de Proteção Ambiental de Balbina. AM,  1988. Arquiteto Severiano Porto. Uma das obras mais emblemáticas da moderna arquitetura brasileira em madeira. Não somente pelo extenso uso do material, inclusive em telhas, de suas formas livres, mas também pela sua destinação, como centro de pesquisas sobre os impactos ambientais da Hidrelétrica de Balbina.

Apesar de suas qualidades, que detalharemos adiante, a madeira tem tido sua utilização na arquitetura questionada por diversos fatores. Do ponto de vista da sustentabilidade, uma questão que não pode ser evitada pelos arquitetos hoje, a exploração da madeira por meios ilegais, a incessante destruição das matas nativas para fins outros que não sua utilização mais nobre, e mesmo as práticas de reflorestamento visando apenas benefícios imediatos, têm, às vezes, causado certa inibição  nos arquitetos mais conscientes quanto à exploração estética e física do material. Este texto pretende ser uma reflexão sobre esta questão.

Histórico

A madeira é provavelmente o mais antigo material de construção. A facilidade de obtenção e adaptação aos fins previstos permitiu seu emprego por populações primitivas mes­mo com os escassos meios disponíveis. Sabe-se hoje que os povos bárbaros desenvolveram uma tradição arquitetônica em madeira anterior e tão válida como o paradigma greco-romano por nós aceito. Embora não desperte as associações monumentais relacionadas com a pedra, por exemplo, seu prestígio pode ser atestado inicialmente pela própria origem semântica da palavra. Madeira vem do latim “matéria”, que originalmente significava o que hoje entendemos como o lenho, i.e. a parte aproveitável comercialmente da árvore. Apenas como significa­do denotativo referia-se ao que hoje chamamos matéria.

Templo Yumedono. Conjunto Budista Horyu-ji em Ikaruga, Japão. Construção original de 607 d.C. Uma das mais celebradas construções em madeira. Considerada Patrimonio da Humanidade pela UNESCO.

A madeira sempre esteve ligada aos mais diversos programas, desde os mais simples, da vida cotidiana, como casas, armazéns, cabanas, aos mais simbólicos e complexos, como os templos de tradição budista ou da tradição nórdica. No período medieval na Europa, como no colonial americano, os marceneiros chegaram a um entendimento primoroso das potencialidades estruturais e estéticas deste material.

Além disso, a madeira tem atravessado os séculos como um componente essencial na construção de todos os tipos de edifícios, como formas para abóbadas, andaimes, formas e esco­ramento de estruturas de concreto e qualquer tipo de construção provisória.

Igrejas medievais de madeira na Noruega. [E] Gol, Hallingdal. 1212.  [D] Hopperstad. 1034-1116. Imagens <en. wikipedia.org>

Durante o período histórico, a versatilidade da madeira propiciou o aparecimento de diversos sistemas construtivos inteiramente diferenciados. O sistema de tradição chinesa, o sistema japonês, o sistema anglo-saxão, precursor do nosso enxaimel, o sistema “shingle”, desenvolvido no período colonial americano, etc. sem falar no seu uso em estruturas de telhado nos outros sistemas construtivos de todos os tempos.

Características da madeira

Uma das grandes vantagens da madeira é que pode ser facilmente obtida a preços relativamente baratos e ser auto renovável. Além disso. é facilmente trabalhável com ferramental simples. É relativamente leve. Tem massa específica baixa, o que lhe confere também qualidades relacionadas com o conforto ambiental, apresentando boas condições de isolamento térmico e absorção acústica. Tem ótimo desempenho estrutural, superior, em alguns aspectos,  ao do concreto. Pode ser reutilizada, o que não somente prolonga a sua vida, como lhe confere um valor agregado. Sua beleza e diversidade de padrões são indiscutíveis.

Estrutura do telhado do Westminster Hall. Londres. 1393. A estrutura em carvalho veio das florestas reais de Hampshire e dos parques reais de Hertfordshire e Surrey. Imagem <en.wikipedia.org>

Apresenta, entretanto, quando comparada a outros materiais, algumas desvantagens que devem ser levadas em consideração. É combustível. É vulnerável a agentes externos, não só biologicamente, fungos e bactérias, mas também climáticos, como a umidade. É heterogêneo e anisotrópico [1] . Os novos processos de beneficiamento, como a secagem em estufa, tratamentos de ignifugação e preservação atenuam, e à vezes mesmo eliminam, estes dados negativos.

Uma de suas características, a de ser um excelente combustível, associada ao fácil manuseio, condenou a madeira a um dos seus usos menos nobres, mas que ainda nos dias de hoje, época dos combustíveis fósseis e de fontes naturais de geração de energia, ainda é intensamente utilizado. Anteriormente à época industrial, foi a madeira utilizada como lenha para estufas e alto-fornos, e é incalculável o número de florestas devastadas, sobretudo na Europa, para a fabricação de utensílios e armamentos.

A madeira quando não era o material principal, era um coadjuvante indispensável das construções. As abóbadas de arestas, que conferiam monumentalidade às construções góticas, eram montadas com formas de madeira

A madeira e a questão da sustentabilidade

O uso da madeira como material de construção de edifícios, de móveis e como material auxiliar da construção vem sendo estudada recentemente sob o aspecto da sustentabilidade, uma questão que vem preocupando diversos setores da cultura e da política há algumas décadas. Uma das grandes causas da destruição das reservas florestais da Mata Atlântica e, atualmente, da Floresta Amazônica foi, entre outros motivos mesquinhos,  o uso inconseqüente do produto de alta qualidade. Lembremos, por exemplo, da grande quantidade de peroba-do-campo, madeira de belíssima aparência e de propriedades mecânicas excepcionais, utilizada para a fabricação de tacos para pavimentação de pisos nas grandes cidades, durante a explosão de crescimento destas, nos anos 1940.

A madeira, como material renovável, favorece a sua inclusão nos conceitos de desenvolvimento sustentável, porém as praticas atuais, excedendo em muito a capacidade regenerativa da natureza, colocam o uso da madeira como preocupação de primeira linha. As melhores madeiras têm um tempo de crescimento muito longo até a idade de abate, razão porque as ditas “florestas econômicas” (que planejam o abate e o replantio) praticamente restringem-se ao uso de madeiras de mais rápido crescimento, como as coníferas. São utilizadas mais na fabricação de papel e de madeira reconstituída (MDF, MDP etc.) cujo uso vem crescendo muito nas últimas décadas, tanto na indústria moveleira quanto na construção civil, na chamada “construção seca” (paredes compostas de painéis) como na confecção de formas de madeira para concreto.

Parlamento da Escócia. Edimburgo. 2004. Arquiteto Enric Miralles. A madeira em sua utilização mais nobre. Grandes treliças de madeira laminada com conectores e tirantes de aço.

Os fatos relacionados com a questão da sustentabilidade não impedem, de forma alguma, o uso de madeiras mais nobres na construção e no mobiliário, e até mesmo o recomendam, desde que atendidas a exigências de um controle rigoroso da produção e comercialização. Como em todas as questões relacionadas com a sustentabilidade, exigem uma conscientização de todos os agentes envolvidos e sugerem severas restrições em todos os pontos do processo. Demandam sobretudo a colaboração dos profissionais com os órgãos fiscalizadores quanto à exigência de certificado de legalidade. Ironicamente, e por outros motivos, volta a fazer sentido o termo “madeira-de-lei” empregado desde os tempos do império.